Superfaturamento e outras fraudes em condomínios
Para especialistas, fiscalizar o trabalho do síndico não basta e o papel contábil das administradoras também precisa ser acompanhado
Bianca Soares / Especial para o Estado
Ao passar os olhos por sua conta de condomínio, numa conferência usual, o analista de sistema Ciro Passareli, de 35 anos, notou algo estranho: o lançamento de um 13º salário favorecendo o síndico de seu prédio, o que não é legal, já que ele não era funcionário. A suspeita de irregularidade foi compartilhada com os demais condôminos, que em assembleia resolveram destituí-lo.
No prédio do agente de turismo Gerson Godoy, de 56 anos, a situação foi mais complexa e se estendeu por quase duas décadas. Reformas não concluídas, contratos superfaturados e desvio de recursos foram estimados num prejuízo de quase R$ 150 mil, apontou auditoria dos próprios moradores, segundo ele.
A falta de participação dos condôminos somada à ausência de um conselho fiscal atuante, que supervisiona tanto síndico quanto administradora, abre brechas à corrupção. Manter por muito tempo o mesmo corpo diretivo também não é recomendável. Especialistas ouvidos pelo Estado afirmam que os casos mais frequentes de fraudes estão ligados à emissão de notas fiscais, subornos em troca de contratos de prestação de serviços e recebimento inadequado de inadimplentes.
“É comum o síndico dar descontos para alguns moradores, o que é proibido, e aceitar pagamentos em dinheiro. Isso dificulta o controle de recebíveis”, diz Vanessa Sanson, advogada e consultora de direito imobiliário.
Quando se trata das administradoras, o cuidado deve ser com o tipo de conta usada para realizar as operações financeiras. As chamadas contas pool são desaconselháveis, avalia Vanessa. O motivo é que, segundo ela, os recursos arrecadados por diferentes condomínios são depositados em um mesmo lugar, e cabe à administradora fazer os pagamentos e recebimentos de cada empreendimento. “O que ela escreve no balanço não é passível de auditoria, não há acesso aos extratos bancários, porque isso caracterizaria quebra de sigilo.”
No entanto, o vice-presidente de Administração Imobiliária e Condomínios do Secovi-SP, Hubert Gebara, diz que é preciso levar em consideração que, ao optar por uma conta conjunta, as administradoras conseguem taxas bancárias mais atrativas e otimizam o gerenciamento. Ele é dono da Hubert, que tem cerca de 600 condomínios na carteira, e afirma que seria “impossível” pagar os boletos dos clientes em 600 contas individuais.
Como garantia do serviço, ele afirma publicar diariamente, no site da empresa, um resumo das movimentações financeiras de cada prédio. Outras administradoras passam regularmente por auditorias externas com a mesma finalidade.
O hoje síndico profissional Mauro Possatto diz que controlar o caixa do condomínio e averiguar a origem das receitas e seu destino se torna uma tarefa extremamente complicada com a conta conjunta.
Ele trabalhava com Tecnologia da Informação quando, em 2009, passou a desconfiar do síndico de seu prédio. As contas estavam subindo sem aparente justificativa e a falta de esclarecimento inflamou os ânimos dos moradores. O antigo síndico foi retirado do cargo, e Possatto conduzido à função. Hoje, está à frente da administração de 14 prédios.
Sinais. Os primeiros sinais de irregularidades geralmente são notados por um ou outro morador. A maioria não tem tempo nem disponibilidade para participar das decisões conjuntas. Daí a necessidade de um veículo de comunicação por meio do qual os questionamentos ao síndico e à administradora possam ser compartilhados.
Segundo José Guilherme Dias, da DGCGT Advogados, descentralizar a fiscalização para além do conselho fiscal é uma alternativa eficaz, sobretudo em prédios pequenos.
De acordo com Gebara, aproximadamente 70% da arrecadação de um condomínio é comprometida com gastos fixos como conta de água, energia, funcionários e encargos. Se eles estão em dia, sobram 30% a serem acompanhados mais de perto.
Para o integrante do Secovi, a porcentagem é pequena e pode ser verificada sem dificuldades pelos próprios condôminos. Mas a falta de familiaridade com conceitos básicos de contabilidade ainda é uma barreira, principalmente em condomínios-clube, cuja dinâmica de funcionamento é mais complexa, afirma Renato Tichauer, da Assosindicos.
Quando o condomínio assume uma grande obra, o esforço de fiscalização deve ser ainda maior. O momento de compras e licitações é propício para atos ilícitos. Foi o que aconteceu em 2012 no prédio de Luís Roberto Parra, de 54 anos. De acordo com o diretor comercial, uma reforma estimada em R$ 1 milhão tirou o sono dos moradores, que não viram os resultados e acabaram assumindo o prejuízo após a saída da então síndica. Um grupo chegou a considerar levar o caso à Justiça, mas desistiu por causa dos honorários advocatícios.
Atualmente, o condomínio está novamente em obras.
Entidade oferece gratuitamente serviço de ‘Raio-X’
Para quem acredita não ser capaz de acompanhar a contabilidade de seu prédio, o Instituto Pró-Síndico oferece, gratuitamente, o que chama de Raio-X do Condomínio. O serviço pode ser solicitado por moradores ou pessoas ligadas ao corpo diretivo. A ideia, conta Dostoiévski Vieira, presidente da entidade, é passar pelos pontos-chave da saúde fiscal e contábil e apontar indícios de irregularidades.
De acordo com ele, 86% dos prédios vistoriados no último ano apresentaram alguma falha. As mais frequentes são nas certificações municipais e da receita federal.
Morador da Vila Matilde, Gerson Godoy, de 56 anos, conduziu por um ano a inspeção que avaliou em R$ 150 mil os recursos perdidos em administrações passadas. Por ter formação em contabilidade, ele foi indicado pelos vizinhos para assumir o cargo, mas negou. “Falei que só aceitaria depois de ter acesso a todos os documentos.” Entre as principais suspeitas, uma reforma na área de lazer paga com apenas dois depósitos de R$ 30 mil cada.
“Não encontrei contrato, quem prestou o serviço, compra de materiais, nada”, diz. Apesar do prejuízo, os condôminos não quiseram ajuizar uma ação contra a síndica.
Evitar o desgaste de um processo judicial não é o comportamento adequado, defendem especialistas. Em caso de irregularidades, os moradores têm legitimidade para exigir reparações e levar o caso à esfera criminal, já que os síndicos respondem civil e criminalmente por sua atuação. Para isso, é importante fazer um boletim de ocorrência, afirma Leandro Mello, do escritório Braga Nascimento e Zilio Advogados.
A advogada Vanessa Sanson aconselha, ainda, caso o problema seja com as administradoras, encaminhar denúncia aos órgãos de defesa do consumidor e de fiscalização de atividades profissionais, como o Conselho Regional de Administração (CRA) e o Conselho Regional de Contabilidade (CRC).