Toyota quer “mudar o mundo” com Mirai, carro a hidrogênio que emite água
A jornada começa com o laptop aberto e o celular na mão. Claro que não estou ao volante do Toyota Mirai, e sim pesquisando postos de combustível que tenham bombas de hidrogênio. Hã? Sim, o elemento químico em maior abundância na face da Terra é usado para abastecer e mover este sedã de visual futurista. Não. Nada de baterias de íon de lítio, muito menos gasolina. O modelo japonês ergue a bandeira daquela que pode ser a terceira via de propulsão da indústria automobilística nos próximos anos.
O Mirai foi o primeiro a chegar ao mercado com esse sistema e hoje é o mais vendido — à frente do rival Honda Clarity, que chegou depois. Se eu tivesse olhado antes a autonomia no painel, não teria me preocupado em abastecê-lo. É que com o tanque cheio — há controvérsias quanto ao uso da palavra tanque aqui, explico mais adiante —, o Mirai tem autonomia de até 500 km, número digno de um carro a combustão e superior ao de boa parte dos elétricos.
Mas é preciso estar atento, pois são pouquíssimos os postos que oferecem hidrogênio. Nosso teste ocorreu durante três dias na região de São Francisco, maior polo tecnológico dos EUA. Pode apostar que qualquer tecnologia chega lá antes do que boa parte do restante do mundo. Mesmo assim, só três postos oferecem hidrogênio em volta da cidade — são 33 ativos em todo o estado da Califórnia, que pretende ter 100 postos de hidrogênio até 2019.
“Venho uma vez por semana, é só se programar”, contou-me o dono de um Mirai em um dos postos, antes de sair rapidamente sem que desse tempo de perguntar mais sobre o carro. Posiciono o Mirai ao lado da bomba azul e em questão de segundos o tanque está completo. Isso porque o abastecimento total leva apenas 5 minutos, tempo similar ao de um carro a combustão e bem mais rápido do que os 40 minutos que a maioria dos elétricos leva para ter 80% da carga completa. Ponto para o hidrogênio.
Está preocupado com o preço? Se você morasse nos EUA, não estaria. Isso porque a Toyota concede um “generoso” incentivo a quem deseja pôr um Mirai na garagem. A marca oferece até 15 mil dólares para o abastecimento durante os três primeiros anos, e todas as revisões gratuitas. Incentivo esse que faz o Mirai ser visto em quantidade razoável não só em São Francisco, mas em outras grandes cidades da Califórnia, como Los Angeles, lugar em que os automóveis são cultuados fervorosamente. Mas, se você ficou curioso quanto ao preço, saiba que o hidrogênio é vendido por quilo, a uma média de 15 dólares o kg. Já que o tanque comporta 5 kg, com 60 dólares ou cerca de R$ 210 na conversão direta e sem impostos, é possível ter um Mirai com autonomia máxima.
Quando ouvi a expressão “processo eletroquímico”, pensei que precisaria ter algumas aulas com o professor de química e personagem da série “Breaking Bad”, mister Walter White, mas não. Acredite, não é complicado entender o funcionamento do Mirai. É o que a indústria trata de célula de combustível. O que muitos podem chamar de tanque, e outros de pilhas gigantes, é onde o hidrogênio é armazenado para gerar… eletricidade. Calma, eu explico.
São dois reservatórios ultraprotegidos de fibra de carbono e posicionados abaixo dos bancos dianteiro e traseiro. Além de melhorar o centro de gravidade e, por consequência, a dirigibilidade do sedã, eles armazenam o hidrogênio com o máximo de segurança. Lembra-se do processo eletroquímico? Pois bem, é quando o hidrogênio é colocado sob alta pressão junto ao oxigênio em uma célula de combustível, posicionada no centro da carroceria. É lá que é gerada a energia responsável por mover o Mirai. Ou seja, daqui para a frente o funcionamento e comportamento do sedã são muito parecidos com os de outros carros elétricos.
Embora tenha entradas maiores no para-choques, além de lanternas e faróis mais finos, o Mirai é muito parecido com seu irmão híbrido Prius. Ambos parecem ter vindo de um futuro não tão distante, e são confundidos nas ruas a todo o momento. E as semelhanças não param aí. Comportamento e desempenho também são similares. O Mirai roda como um carro elétrico. É silencioso na maior parte do tempo, mas de vez em quando faz um ruído diferente, parecido com o de um cortador de grama, que não chega a incomodar.
E o que o sedã a hidrogênio joga na atmosfera em troca? Água, pura e simples. O escape emite vapor d’água e, quando o motor é mais exigido, solta algumas gotas. Chega a ser engraçado. Dinamicamente, as semelhanças com o Prius voltam à tona. A suspensão é confortável, daquelas que fazem o carro parecer flutuar, com raros impactos em buracos maiores e maior foco no conforto que no desempenho. São 154 cv de potência e 34,1 kgfm de torque disponíveis ao primeiro toque no acelerador. Assim como nos elétricos, não é necessário esperar “subir os giros” para ter a força máxima disponível.
E preço? Nos EUA, o Mirai é vendido a US$ 58 mil (algo como R$ 200 mil na conversão), mais que o dobro cobrado lá no Corolla e no Prius. Não é barato, mas atraente pela economia de abastecimento e revisões. É um incentivo necessário para se criar um novo mercado, o que demanda também um investimento em infraestrutura por parte dos governos. Com três anos de mercado, é cedo para dizer se os carros a hidrogênio chegaram para ficar. O fato é que, emplacando ou não no mercado norte-americano, europeu e asiático, carros movidos a célula de hidrogênio ainda serão uma realidade bem distante do Brasil por um bom tempo. Uma pena.
Motor: Dianteiro, gerador elétrico de corrente síncrono alternada, bateria de níquel-hidreto metálico, hidrogênio.
Potência: 154 cv
Torque: 31,4 kgfm
Câmbio: Direta de uma marcha à frente e uma à ré; tração dianteira
Direção: Elétrica
Suspensão: Indep. McPherson (diant.) e braços sobrepostos (tras.)
Freios: Discos ventilados (diant. e tras.)
Pneus: 215/35 R17 (diant. e tras.)
Dimensões: Compr.: 4,89m/ Largura: 1,81 m/ Altura: 1,53 m/ Entre-eixos: 2,78 m
Tanque: 125 litros (5 kg)
Porta-malas: 361 litros (fabricante)
Peso: 1.850 kg
Central multimídia: 7 pol., sensível ao toque