Condomínio residencial pode proibir locação pelo Airbnb por transtornos e insegurança
Aplicativos de hospedagem geram polêmicas entre os moradores
Constata-se o crescimento do volume de pessoas que decidiram alugar seu apartamento ou um quarto deste para turistas, por alguns dias, como forma de obter renda extra. O proprietário do apartamento anuncia a oferta em sites e em plataforma na internet que conecta viajantes com pessoas que desejam alugar um quarto ou imóvel, por um dia ou por temporada, como por exemplo o Airbnb, que tem 65.000 propriedades divulgadas no mundo.
Este modelo, que já funciona há anos no exterior, está causando grande discussão entre síndicos e proprietários de apartamentos no Brasil. Os que desejam alugar um quarto alegam que seu direito de propriedade não pode ser limitado, enquanto que os demais condôminos afirmam que essa locação configura hospedagem, prejudicando a segurança do edifício, pois é dada a posse a várias pessoas diferentes, por períodos curtos, que passam a ter acesso às dependências do prédio sem nenhuma avaliação ou cadastro prévio.
Não se pode confundir um cadastro da uma imobiliária com fiadores para uma locação de 30 meses com algumas simples perguntas do proprietário pelo telefone para uma ocupação de 3 dias, que às vezes, não se preocupa em ter uma boa relação com os vizinhos, diante do curto espaço de tempo. Portanto, o ponto básico é a forma de ocupação que logicamente não se equipara a residencial prevista nas convenções, pois se os condôminos desejassem morar num local de alta rotatividade de pessoas, teriam comprado um apart-hotel e deixado de morar um edifício residencial.
A oferta funciona assim: pelo site o proprietário oferece um quarto ou o apartamento para hospedagem do turista, sendo o preço apresentado por diária. O turista seleciona quantos dias deseja se hospedar, realiza o pagamento e o proprietário recebe os valores das diárias, após abatidas as taxas decorrentes da intermediação de locação.
Conforme a Lei 11.771/08, que dispõe da Política Nacional de Turismo, esse tipo de oferta configura hospedagem, por se tratar de serviços de alojamento temporário pagos por diária. Portanto, jamais o proprietário de um apartamento se enquadraria nessa norma legal, que exige cadastro e a observância de leis próprias, nos termos do art. 23, que estabelece:
Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.
- 4o Entende-se por diária o preço de hospedagem correspondente à utilização da unidade habitacional e dos serviços incluídos, no período de 24 (vinte e quatro) horas, compreendido nos horários fixados para entrada e saída de hóspedes.
Convenção proíbe a exploração de hospedagem
Considerando que a locação mediante pagamento de diária configura-se como serviço de hotelaria, sua prática fere a convenção quanto esta especifica a destinação residencial do edifício. Diante disso, defende-se que o condomínio pode impedir esse tipo de negócio e multar o proprietário que o praticar, sob o fundamento do aumento da insegurança diante da multiplicidade de ocupantes temporários, não tendo o condomínio como controlar o referido fluxo de pessoas, já que não possui estrutura de um hotel.
Ao observarmos o Código Civil, que estipula que a convenção pode limitar o direito de propriedade, o artigo 1.335, II, que determina ser direito dos condôminos utilizar a edificação conforme a sua destinação (que é residencial e não de hospedagem/apart-hotel). É fato incontroverso que a alta rotatividade de pessoas diferentes, por curto espaço de tempo gera transtornos aos demais condôminos, infringindo assim o artigo 1.336, IV, ficando claro o desvio da finalidade do edifício que foi projetado para ser restritamente residencial.
Alguns condomínios proíbem os clientes do Airbnb em utilizar áreas comuns, como as piscinas
Somente se a unanimidade dos condôminos viesse a aprovar a alteração da convenção, passando a autorizar hospedagem diária, poderia vir a ser permitida esse tipo de ocupação, nos termos do artigo 1.351 do Código Civil. Nesse caso, o condomínio deixaria de ser residencial/familiar para se tornar um empreendimento comercial, como um apart-hotel ou hotel.
Após a aprovação unânime, o proprietário que desejasse locar seu apartamento neste modelo deveria ainda se adequar às exigências para prestação de serviços de hospedagem, que estão previstas na Lei 11.771/08 (art. 23, parágrafo 1º, cadastro do Ministério do Turismo) e no Decreto 7.381/10. Além disso, teria que realizar o registro na EMBRATUR (Empresa Brasileira de Turismo), nos termos do artigo 3º, do Decreto 84.910 de 1980.
Sistema brasileiro de classificação de hospedagem
Os apartamentos em condomínios que são regulamentados pela convenção como familiares e residenciais, não se enquadram no art. 23, caput, da Lei Federal nº 11.771/08, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo. Ao analisarmos a Portaria nº 100/2011, do Ministério do Turismo, o SBClass – Sistema Brasileiro de Classificação de Hospedagem, nem mesmo seria possível enquadrar os apartamentos residenciais no inciso VI, do tópico “Meio de Hospedagem”, que trata do “cama e café”, pois não se pode admitir prestação de serviços no condomínio destinado apenas a residência.
Locação diária não é prevista na lei do inquilinato
Nos termos da Lei do Inquilinato, nº 8.245/91, a locação diária é regulada pelo Código Civil e pelas leis especiais, conforme artigo 1º da Lei do Inquilinato, que a enquadra entre os “apart-hotéis, hotéis – residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar”.
Portanto, não pode o locador, para forçar o condomínio a permitir a hospedagem, alegar que a locação por meio do Airbnb seria aquela prevista no artigo 48 da Lei do Inquilinato, que visa período mais amplos, pois essa se destina “à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”.
O legislador da Lei do Inquilinato, previu a locação de temporada somente para aumentar a segurança do locador nesse tipo de locação de risco, dando tratamento diferente quanto ao pagamento do aluguel e o despejo, podendo ela ter o prazo de no máximo 90 dias, o que difere bastante da locação diária.
Em nenhum momento a Lei do Inquilinato entra em choque com a convenção do condomínio, sendo praxe nos contratos de locação prever o dever de o locatário respeitar a convenção, pois esta tem o poder de regulamentar o uso das unidades, consagrando assim, sua legitimidade em limitar o direito de propriedade.
Além disso, na locação por temporada, mesmo quando o apartamento é mobiliado, o locador não oferece serviços regulares aos ocupantes, justamente por não ser um hotel ou apart-hotel, os quais têm uma estrutura profissional que impede que sejam confundidos com um prédio residencial, nos termos do art. 1º da Lei do Inquilinato.
Aqueles que defendem a locação pelo Airbnb alegam que ela poderia ocorrer, conforme a Lei do Inquilinato, por período inferiores a 90 dias. Esse argumento é frágil, pois o fato é que se os proprietários soubessem que os apartamentos seriam utilizados como se fosse um apart-hotel, muitos não o teriam adquirido apartamentos no local. Da mesma forma, que deseja ter explorar locação diária deve investir num apart-hotel hotel ou num hotel.
Prédio residencial não tem estrutura de apart-hotel
É óbvio que a prática constante de ocupações diárias, com alto rotatividade de pessoas diferentes, as quais não podem ser chamadas de “vizinhas”, pois não nem há tempo para conhece-las, gera uma maior utilização da estrutura do prédio (elevadores, áreas de lazer, portaria, mobília), que se mostra bem diferente de uma locação por temporada prevista na Lei do Inquilinato que em nenhum momento previu a hospedagem que exige inclusive alvará de funcionamento.
Nenhuma portaria de um prédio residencial é preparada para funcionar com uma recepção de um apart-hotel, no qual há controle de entrada mais profissional e liberação de chaves, cadastramento de veículos, atendimento de reclamações, controle de encomendas, serviço de prestação de orientações de destinos. Simples porteiros não se equiparam aos profissionais que atuam numa portaria de um hotel, os quais têm alto custo e treinamento específico para atender o grande fluxo de hóspedes.
Assim, a locação diária de apartamento ou de quarto não pode ser realizada em condomínios residenciais, exceto se for alterada a destinação do condomínio na convenção, o que é quase impossível diante da exigência do quórum unânime qualificado.
O síndico pode impedir entrada do hóspede
O síndico, dependendo da situação e do que consta na convenção, pode impedir a entrada do hóspede, sendo importante previamente notificar aquele que estiver promovendo locações diárias em afronta ao que determina a convenção. Por cautela, deve o condomínio com a devida assessoria jurídica, deliberar sobre essa proibição na assembleia, tomando medidas prévias para fundamentar um possível processo judicial para proteger o interesse na maioria dos condôminos.
O art. 1.348 do Código Civil determina ser competência do síndico defender os interesses da coletividade e exigir o cumprimento da lei e da convenção. Consiste um dos principais deveres da administração zelar pela segurança e essa pode ser comprometida pela alta rotatividade de pessoas estranhas nas dependências do edifício.
O site pode responder por perdas e danos
O site que intermedia este tipo de transação, antes de publicar a oferta, deve conferir se a convenção de condomínio prevê expressamente a destinação comercial do edifício, caso contrário oferecerá para os candidatos à hospedagem um serviço defeituoso.
Se a locação é realizada em edifício estritamente residencial, o consumidor estará sujeito a ter sua entrada barrada pelo síndico e suas férias frustradas, gerando constrangimento e sofrimento passíveis de indenização. Caso isto ocorra, o site, bem como o locador, podem ser responsabilizados por danos morais e materiais nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista o oferecimento de uma locação irregular:
Art. 14 . O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Dessa forma, diante da análise das diversas leis que são aplicáveis a essa situação, deve o proprietário do apartamento, caso deseje locá-lo, promover esse negócio nos termos da Lei do Inquilinato, a qual não se destina ocupação diária, pois condomínio não se confunde com hotel e nem apart-hotel.
Artigo de Kênio de Souza Pereira*
*Kênio de Souza Pereira é Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG; Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis